26.2.06

LEITURAS - 2











ANDREAS
de Manuel Valente Alves e João Miguel Fernandes Jorge
Edição MVA Invent

"O clima de 'Andreas' é exactamente esse: o de quem fez parte do elevar de um edifício civilizacional, no qual sempre supôs ocupar um lugar ao centro, num quarto tranquilo, entre paredes comportamentais tomadas como paradigma. Mas as variantes foram surgindo, inesperadas e a coberto de uma urgente capacidade de resposta, que o personagem 'Andreas' não soube nunca elaborar. De certo modo, preparado para viver e sofrer um modelo que à sua volta se desmoronava, ele próprio, "Andreas" foi-se transformando no modelo, no paradigma novo, o do seu próprio tempo. 'Andreas' foi erguido de um modo semelhante à personagem central do libreto que Hofmannsthal escreveu para a ópera de Richard Strauss, 'A Mulher Sem Sombra'. Também ele, a seu modo, foi um homem sem sombra. Alguém que procurou o mundo no mundo com os elementos de pesquisa — a um tempo valores éticos e estéticos — que conhecia e julgava dominar e não os encontrou já como actuantes. Pelo contrário tudo o que a seus olhos foi valoração se desfez ao ser nomeado e ao ser invocado como intérprete e feitor de uma realidade. Valores, hábitos, crenças já não encontravam correspondência na circunstância 'mundo'; e a cada instante se mostravam incapazes de «pensar» as coisas que surgem com imediatismo diante do olhar de Andreas. O mundo que lhe estava a ser oferecido, o seu mundo contemporâneo surgia como um objecto escondido e as ferramentas teóricas que estavam ao seu alcance não sabiam como desvelá-lo. Agarrar as dificuldades com profundidade era o difícil e no tempo vivido por 'Andreas', quer psicológico quer físico, um impossível. De onde, o deslizante sentimento de ruína e de uma incapacidade de passar, em limite, de um pensamento alquímico (e Valente Alves valoriza-o como etapa de trabalho) a um exacto saber de ciência."

João Miguel Fernandes Jorge